Voto de presos provisórios em risco: projeto do TRE-RJ avança enquanto PL Antifacção ameaça direito constitucional nov 20, 2025

O direito de votar não é um privilégio — é um princípio constitucional. Mas, no Brasil, ele está sendo testado entre as grades das prisões. Nesta quarta-feira (5 de novembro de 2025), o desembargador Claudio de Mello Tavares, vice-presidente e corregedor do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ), deu início ao projeto 'Democracia Além das Grades'Rio de Janeiro, uma iniciativa inédita para garantir que presos provisórios possam exercer seu voto nas eleições de 2026. A medida, porém, ocorre sob a sombra de uma ameaça legislativa: em outubro de 2024, a Câmara dos Deputados aprovou um destaque ao Projeto de Lei Antifacção que, se sancionado, extinguirá esse direito para mais de 180 mil pessoas. O que está em jogo não é só logística — é a essência da democracia.

Um direito que a Constituição já garantiu — e que a Justiça vem respeitando

O artigo 15 da Constituição Federal de 1988 é claro: apenas quem foi condenado com sentença transitada em julgado perde o direito ao voto. Presos provisórios, mesmo detidos, ainda são considerados inocentes pela lei. E isso não é novidade. Desde 2010, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) autorizou a instalação de seções eleitorais em unidades prisionais. Mas a realidade é que, por exigência de pelo menos 20 eleitores aptos por local, muitos presídios ficam de fora. Em São Paulo, nas eleições de 2024, 2.731 presos provisórios estavam habilitados a votar no primeiro turno — e 2.047 foram às urnas. Isso representa 75% de comparecimento. No segundo turno, foram 748 votos de 1.151 aptos. Em Espírito Santo, 655 votaram em 12 unidades. No Rio Grande do Sul, o TRE-RS já vinha articulando com a SUSEPE e a FASE desde fevereiro de 2024.

Esses números não são estatísticas frias. São cidadãos. Homens e mulheres que ainda não foram julgados, mas que têm família, sonhos, e agora, um voto. A Defensoria Pública e a OAB-RJ estiveram na reunião do TRE-RJ, reforçando que a exclusão política é uma forma de punição antecipada — e inconstitucional.

Como vai funcionar o projeto 'Democracia Além das Grades'?

O projeto do TRE-RJ não é um plano genérico. É uma operação meticulosa. As unidades prisionais escolhidas não terão presença de facções criminosas — isso é não só uma exigência de segurança, mas uma forma de evitar pressões e intimidações. A seleção também leva em conta a infraestrutura do local: espaço para montar uma seção, acesso para mesários, e, claro, o número de presos provisórios com título eleitoral regularizado. O desembargador Claudio de Mello Tavares deixou claro: “Não vamos criar seções para show de mídia. Vamos garantir direitos com segurança e dignidade.”

Para isso, o TRE-RJ vai contar com mesários voluntários — preferencialmente servidores públicos — como já fez São Paulo, que recrutou 454 pessoas. A logística é complexa: transporte seguro, identificação de eleitores, urnas eletrônicas adaptadas, e até treinamento de agentes penitenciários para não interferir no sigilo do voto. Tudo isso será testado em fase experimental até junho de 2026, com relatórios detalhados antes da votação oficial.

A ameaça que veio da Câmara: o PL Antifacção e a política da vingança

Mas aqui está o ponto de virada. Em 18 de outubro de 2024, a Câmara aprovou, por 349 votos, um destaque ao Projeto de Lei Antifacção que proíbe expressamente o voto de presos provisórios. A justificativa? “Combater a influência de facções nas eleições.” Mas especialistas apontam um paradoxo: se o objetivo é desmantelar o poder das quadrilhas, por que punir quem ainda não foi condenado? A lógica é a mesma de condenar todos os passageiros de um ônibus porque um deles é ladrão.

Curiosamente, a aprovação coincidiu com o momento em que figuras como Jair Bolsonaro e Carla Zambelli enfrentavam investigações. Algumas análises — como a da Brasil Paralelo — sugeriram que o movimento poderia ter motivações políticas. O Partido Novo, que antes defendia liberdades individuais, abandonou seu posicionamento histórico. A mudança de rumo não foi explicada. Mas o efeito é claro: um direito constitucional está sendo atacado por uma maioria legislativa.

Por que isso importa para todos nós?

Por que isso importa para todos nós?

A suspensão do voto de presos provisórios não afeta só eles. Afeta o princípio da presunção de inocência — um pilar do Estado de Direito. Se podemos tirar direitos de alguém antes do julgamento, onde paramos? Ainda mais quando 27,2% da população carcerária brasileira (182.855 pessoas) são provisórias, segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) de dezembro de 2024. Essas pessoas não são criminosas confirmadas. São pessoas em espera de justiça.

Além disso, o voto não é um gesto simbólico. Ele é um mecanismo de reintegração. Estudos da Universidade de São Paulo mostram que presos que votam têm menor índice de reincidência — porque se sentem parte da sociedade, não apenas de um sistema que os exclui. Tirar esse direito é como dizer: “Você não merece ser cidadão.” E isso, em uma democracia, é perigoso.

O que vem a seguir?

O projeto do TRE-RJ avança, mas depende da decisão do Senado. Se o PL Antifacção for aprovado, o projeto de 2026 pode ser barrado antes mesmo de começar. O TSE já sinalizou que, se a lei for aprovada, poderá contestá-la no Supremo Tribunal Federal. O caso pode virar um novo Habeas Corpus coletivo — e talvez o mais importante dos últimos anos.

Enquanto isso, o Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo e Rio Grande do Sul seguem preparando as seções. Mesários treinam. Presos provisórios recebem orientações sobre como votar. E o país inteiro observa. Porque, no fim, não se trata de presos. Se trata de quem somos como sociedade.

Frequently Asked Questions

Por que presos provisórios têm direito a votar se ainda não foram julgados?

A Constituição Federal, em seu artigo 15, garante o voto a todos os cidadãos, exceto aos condenados com sentença transitada em julgado — ou seja, após esgotados todos os recursos. Presos provisórios ainda são considerados inocentes pela lei, e sua detenção é preventiva, não punitiva. Retirar seu direito político antes do julgamento viola o princípio da presunção de inocência, base do Estado Democrático de Direito.

Quantos presos provisórios realmente votam nas eleições?

Embora o Brasil tenha cerca de 182 mil presos provisórios, apenas uma fração vota — por exigência de pelo menos 20 eleitores aptos por unidade. Em São Paulo, em 2024, foram 2.731 aptos no primeiro turno, com 75% de comparecimento. No Espírito Santo, 655 votaram. Isso significa que, mesmo com milhões de presos, o número real de eleitores em unidades prisionais é pequeno, mas significativo para a inclusão política.

O que acontece se o PL Antifacção for aprovado pelo Senado?

Se a lei for sancionada, o voto de presos provisórios será legalmente proibido, mesmo que isso contrarie a Constituição. O TSE já indicou que pode entrar com ação no Supremo Tribunal Federal para questionar a constitucionalidade da medida. O risco é que, por falta de fiscalização, o direito seja efetivamente anulado — mesmo sem revogação formal da Constituição.

Por que o TRE-RJ exclui unidades com facções criminosas?

A exclusão não é uma punição aos presos, mas uma medida de segurança. Em presídios dominados por facções, há risco de coerção, ameaças e manipulação do voto — seja por pressão interna ou por controle sobre os presos. O objetivo do projeto é garantir o voto livre e secreto, não expor mesários ou eleitores a violência. A escolha das unidades é feita com base em laudos de segurança e dados da Secretaria de Administração Penitenciária.

Como posso saber se um preso provisório está apto a votar?

Apenas quem tem título eleitoral regularizado e está em uma unidade com seção instalada pode votar. O TRE-RJ e outros tribunais regionais divulgam listas de unidades participantes antes das eleições. A própria Defensoria Pública e a OAB também auxiliam na identificação e cadastramento de eleitores. Não é necessário autorização da administração prisional — apenas confirmação do cadastro eleitoral.

O voto de presos provisórios realmente influencia as eleições?

Em termos numéricos, não. Nas eleições de 2024, o total de votos de presos provisórios em todo o país foi inferior a 5 mil. Mas o impacto é simbólico e institucional. Ainda que poucos votem, o fato de permitir o voto fortalece a legitimidade do sistema eleitoral. Tirar esse direito envia uma mensagem perigosa: que alguns cidadãos são menos cidadãos. E isso enfraquece a democracia por dentro.

Graziela Barbosa

Graziela Barbosa

Sou jornalista especializada em notícias e adoro escrever sobre os acontecimentos diários do Brasil. Sempre busco trazer um olhar crítico e informativo, prezando pela autenticidade e clareza. Meu trabalho é movido pela paixão em informar e pela necessidade de fomentar o debate público.

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